quarta-feira, 10 de março de 2010

É possível produzir biocombustível sem afetar o cultivo de alimentos?

Organizações humanitárias dizem que faltará alimento se as terras férteis forem destinadas à produção de biocombustíveis. Especialistas canadense e australiano acreditam que há espaço para os dois e ainda para preservar o meio ambiente (Isis Nóbile Diniz)

Cortador colhe cana-de-açúcar, matéria prima para biocombustível

Segundo consultores, é possível plantar alimento, biocombustível e ainda preservar os biomas brasileiros

O Brasil tem terra suficiente para cultivar alimentos, plantar cana-de-açúcar para produzir biocombustível e, ao mesmo tempo, preservar seus seis biomas? O canadense Mark Lee, diretor da consultoria SustainAbility, e o australiano David Hone, representante do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, em inglês), acreditam que sim. A resposta foi dada em entrevista a ÉPOCA realizada durante o 3º Congresso Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável, em São Paulo.

Atualmente, pesquisadores e governantes discutem se o destino de terras férteis para a produção de biocombustível poderá interferir no cultivo de alimentos. Isso porque os biocombustíveis são feitos a partir de plantas, entre elas a cana-de-açúcar, o milho e a soja, que poderiam servir para consumo. Representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) dizem que o uso de terras para produzir biocombustíveis diminui a área destinada aos alimentos – o que poderia ocasionar falta de comida. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do Brasil afirma que os biocombustíveis não prejudicam a produção ou o abastecimento de alimentos.

Saiba mais: “Os biocombustíveis podem suprir 30% da demanda mundial no transporte”

Um dos pontos mais críticos da discussão é o alerta dos ambientalistas de que a demanda de terras para ambos os plantios destruirá o que resta das matas nativas. Uma pesquisa realizada pela ONG WWF prevê, em dez anos, o desmatamento de 10 milhões de hectares do cerrado para a produção de grãos e de cana-de-açúcar. Para se ter uma ideia da dimensão do desmatamento, os estados do Maranhão e do Piauí poderão sofrer uma perda de 30% da cobertura vegetal.

Os especialistas Hone e Lee acreditam que o debate tem uma solução. No lugar de grandes plantações contínuas de alimento ou de biocombustível, para eles, o ideal seria intercalar pequenas propriedades destinadas ao cultivo de alimentos, outras à plantação para biocombustíveis e as demais para a preservação dos biomas. "Não é uma questão simples", diz Lee. Requer estudos e análises. "O ser humano costuma fazer o que é mais fácil", afirma Hone.

Em paralelo à discussão, as empresas e alguns governos como o brasileiro continuam estimulando o uso de biocombustíveis. O especialista David Hone, além de representante do WBCSD, é consultor sobre mudanças climáticas da Shell. Ele diz que os biocombusíveis estão entre as duas principais linhas de pesquisa da empresa. "Esperamos ter sucesso nessa área", afirma. A outra frente de pesquisa é de sequestro de carbono. Trata-se de estocar o gás poluente em algum lugar, como no solo, para que ele não polua o ar. "Este caso é mais complicado. Para a empresa investir em novas tecnologias nessa área, o carbono deve ter um preço", afirma. Na Europa, quanto mais as empresas emitem de carbono em sua produção, maiores as taxas que pagam para o governo. Esse tipo de iniciativa precisaria se desenvolver.

De qualquer maneira, para os especialistas, o Brasil é privilegiado. Afinal, o país possui terras para o cultivo de alimentos, plantação de biocombustíveis e, ao mesmo tempo, tem espaço para preservar a natureza. O país poderia, então, ser um líder mundial relacionado à sustentabilidade? "O Brasil já está exportando tecnologia de biocombustível para veículos. Há, sim, oportunidades para o país liderar na questão da sustentabilidade", diz Hone. Mas Lee afirma que os países são competitivos. O fato de o Brasil exportar biocombustível e tecnologia "verde" não garante sua liderança no setor. "Estamos vivendo como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Não há resposta definitiva", diz Hone.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI86636-15223,00.html

2 comentários:

  1. "No lugar de grandes plantações contínuas de alimento ou de biocombustível, para eles, o ideal seria intercalar pequenas propriedades destinadas ao cultivo de alimentos, outras à plantação para biocombustíveis e as demais para a preservação dos biomas." Este trecho da reportagem é de extrema importância, pois mostra a possibilidade de realizar os três objetivos de uma só vez, sem que um prejudique o outro.

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  2. Excelente postagem! NOTA MÁXIMA! Parabéns!
    Abraços
    Maria Eugênia

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